Conto | Os Príncipes Gémeos

 

CONTO

 

OS PRÍNCIPES GÉMEOS


Havia um rei – no tempo dos príncipes e dos reis – que tinha dois filhos gémeos.
Tempos tão esquecidos, quase ignorados! mas tão dilatados… capazes de ir de lés a
lés da nossa fantasia, de entrar em todas as cabeças, de abranger todas as idades, desde
as mais remotas até agora…
Pois nesse tempo vivia um rei em seu belo reino com a rainha e dois filhos gémeos
que tinha. Dois formosos mancebos, amorosos e inteligentes.
Ora o rei não sabia a qual deles havia de legar o trono e o cetro. Lançar o caso à
sorte dos dados, por exemplo? Não lhe parecia bem.
Entrementes calhou montear-se um javali nas matas reais. O rei e os dois filhos, que
tomavam parte na caçada, apartaram-se sem premeditação. E o rei, subitamente iluminado,
achou azada a ocasião de fazer a sua escolha. Sacou da buzina de caça e soprou nela três
vezes. Era sinal de apelo conhecido.
Ainda o eco da buzina ia de quebrada em quebrada e já os dois príncipes, cada um
de seu lado, acorriam ao chamamento do pai. Este, interdito, não soube que lhes explicar e
mandou-os continuar a batida.
Os dois filhos riem e partem sem menor sombra de suspeita.
Manda-lhes depois, o rei um belo bolo que trazia de merenda, mas incógnito, pela
mão de uma mendiga. Agora, sim, se havia de saber quem a sorte designaria.
Houve um banquete, com muitas iguarias e, ao fim, um dos príncipes declara: mas
bolo como o que recebemos das mãos de uma mendiga é que não há.
Qual de vós, qual de vós? apressa-se o rei a perguntar.
Os irmãos entreolharam-se e logo responderam: ambos. A mulherzinha acercou-se
de nós para saber qual era o príncipe. O meu irmão apontou-me e eu apontei-o a ele. Ela
então dividiu o bolo a meio… Era delicioso, o meu irmão que o diga. Delicioso! repetiu o outo
príncipe, e ambos sorriram.
Porém o rei não se deu por achado nem por vencido. Arteiro, em ar de conversa
perguntou aos filhos se não gostariam de ir correr mundo, de mostrar aos outros quem eram.
Que sim, nem outra coisa o coração lhes pedia. E ambos partiram por uma manhão
clara, cada um para a sua banda.
Tanto demoraram, tão longas viagens fizeram que o povo os ia quase esquecendo.
Nada consolava os dois velhotes, que se punham das torres do augusto palácio a
mirar os cerros, a água e os ares. Estavam eles nisto, num belo dia, quando veem sobre as
ondas do mar um trapo branco a fazer-lhes sinais. E ao mesmo tempo a luz do Sol
obscurecer-se por efeito de umas grandes asas.
Que maravilha e que terror! Que seria, que não havia de ser? O povo juntou-se, os
reis perderam a cor; ouviam—se exclamações e ais. E viu-se dar à costa um peixe monstro
enquanto poisava na areia uma ave majestosa.
Os dois príncipes, cada um da sua extraordinária montada, apeiam-se.
Aclamações, gritos e mais aclamações, tudo repentinamente delira.
(…)
Sábios príncipes temos nós, se dizia depois à chucha calada. Qual deles virá a
reinar?
A mesma interrogação tinha o rei, que teve mais uma das suas ideias. Num dia de
assembleia tira o manto dos ombros (um belo manto lavrado a oiro e forrado de arminho) e
atira-o aos filhos bradando:
Filhos meus ordeno-vos que dele vos sirvais sem o retalhardes!
Com a maior das simplicidades os dois irmãos levantaram o manto do chão e,
chegando-se um ao outro, se cobriram com ele.
O rei passa a mão pelos olhos como se um relâmpago o tivesse deslumbrado. Volta-
-se depois, ora para o povo, ora para os cortesãos e declara: este será daqui para o futuro o
reino dos dois reis, meus bem-aventurados filhos, tão unidos pelo espírito como pelo
coração.
E nada mais consta da história.

 

Os Príncipes Gémeos in Queres ouvir? Eu Conto de Irene Lisboa


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QUERES OUVIR? EU CONTO

de Irene Lisboa; Ilustração: Manuela Bacelar .
edição:  Editorial Presença, fevereiro de 2013 ‧ isbn: 9789722349994

 

SINOPSE

Plano Nacional de Leitura.

Livro recomendado para o 3º ano de escolaridade, destinado a leitura orientada.

Nesta obra encontramos, segundo as palavras da própria autora, «histórias para maiores e mais pequenos se entreterem». São histórias curtas, cheias de humor e ação, para ler ou ouvir contar, que valorizam o diálogo ou a oralidade e que criam mundos maravilhosos e encantatórios que vão ao encontro da expetativa do público infantil, o seu destinatário preferencial. Mas também «os maiores» se poderão deixar fascinar por estas narrativas que se revestem de grande significado histórico, literário e educacional e completam o panorama da escrita de uma das mais importantes autoras portuguesas do século XX.